[Profletras] Análise de questão: adição ou comparação?
Análise de uma questão já cobrada no Exame Nacional de Acesso ao Profletras e que provocou discussão entre os candidatos à época do concurso.
A análise dos aspectos semântico-discursivos sempre é objeto de questões na prova de acesso ao Proletras. A seguir, veja uma dessas questões, que foi bastante comentada e discutida na época da prova.
Considere o excerto abaixo.
"Vivemos numa época que – com a internet, os computadores, os celulares, os tablets etc. – experimenta o desenvolvimento de uma tecnologia que tem, entre outras coisas, o sentido manifesto de acelerar tanto a comunicação entre as pessoas quanto a aquisição, o processamento e a produção de informação."
Os elementos linguísticos em destaque estabelecem uma relação semântica de
A) concessão.
B) comparação.
C) explicação.
D) adição.
O motivo da discussão foi o fato de a banca indicar como correta a opção D) adição.
Muitos candidatos julgaram que a resposta correta seria a letra B) comparação. Façamos uma breve análise da questão.
Temos na sentença um exemplo de oração correlata, que nada mais é do que uma forma de relação intersentencial do português que foge à dicotomia coordenação/subordinação.
“Uma rápida consulta aos principais compêndios gramaticais produzidos no Brasil revela, nas páginas destinadas à sintaxe do período composto, que há apenas dois grandes processos de conexão de orações: a subordinação e a coordenação. Esse tipo de informação, por sua vez, é propagado nas escolas brasileiras desde o ensino fundamental, que é a primeira etapa da escolarização básica, até níveis mais avançados de ensino.
A questão é que um exame mais aprofundado da estrutura da língua portuguesa revela que essa proposta é, no mínimo, inconsistente e incompleta. Afinal, há pelo menos mais dois recursos utilizados pelos falantes e escreventes para a conexão de orações: a justaposição e a correlação, ambos preteridos pela onda estruturalista dicotomizadora da NGB” (ROSÁRIO, 2017).
A conexão desse tipo de sentença é estabelecida por meio de dois elementos ou expressões conectivas (Por exemplo: não só... mas também, seja... seja, etc.), em que um dos elementos se encontra na primeira sentença e o outro na segunda, diferentemente das conexões estabelecidas habitualmente por apenas uma conjunção, como ocorre nas sentenças subordinadas e coordenadas.
Sendo assim, a correlação conjuncional, ainda segundo o autor, está no intervalo entre as categorias prototípicas: a coordenação e a subordinação, possuindo, dessa forma, traços característicos de ambas as categorias. Nesse tipo de construção “não há oração principal, subordinada ou coordenada – elas são classificadas apenas como orações correlatas ou correlativas” (MACEIS, 2012; SILVA, 2017).
Voltemos à sentença em análise:
...o sentido manifesto de acelerar tanto a comunicação entre as pessoas quanto a aquisição, o processamento e a produção de informação.
Desmembrando as estruturas que se relacionam na sentença, teríamos
[uma tecnologia tem]
o sentido manifesto de acelerar
a comunicação entre as pessoas
a aquisição, o processamento e a produção de informação
Observe que tanto...quanto… Não está estabelecido, aqui, uma ideia de comparação entre “acelerar a comunicação entre as pessoas” e “a aquisição, o processamento e a produção de informação”. Um candidato, inclusive, justificou sua opção pela alternativa comparação com uma possível substituição de tanto...quanto… por tal qual. Será?
...o sentido manifesto de acelerar [a comunicação entre as pessoas] tal qual [a aquisição, o processamento e a produção de informação].
Analisando essa substituição, percebe-se que não há relação de comparação estabelecida. O que há é a indicação de que a tecnologia citada tem o claro sentido de acelerar principalmente duas coisas:
a comunicação entre as pessoas E a aquisição, o processamento e a produção de informação
Sendo assim, a relação semântica que tanto...quanto... estabelece no texto é de ADIÇÃO.
Vamos empregar o expediente (válido) da substituição.
[i] Vivemos numa época que (...) experimenta o desenvolvimento de uma tecnologia que tem (...) o sentido manifesto de acelerar [a comunicação entre as pessoas] E [a aquisição, o processamento e a produção de informação].
[ii] Vivemos numa época que (...) experimenta o desenvolvimento de uma tecnologia que tem (...) o sentido manifesto de acelerar NÃO SÓ [a comunicação entre as pessoas] , MAS (COMO) TAMBÉM [a aquisição, o processamento e a produção de informação].
Em [i] temos uma coordenação aditiva prototípica, indicada pela conjunção E. já em [ii] temos mais um exemplo de correlação aditiva (o que alguns manuais chamam “série aditiva enfática”).
Portanto, o gabarito da prova acerta ao indicar como correta a opção D) adição.
“As orações correlatas aditivas apresentam matiz semântico de adição, soma, ou seja, do ponto de vista das ideias, o que se diz na primeira oração vale para a segunda do ponto de vista informativo; são introduzidas pelos pares correlatos não só...como, não apenas...como, tanto...como, não apenas ...mas também, tão...como etc.” (RODRIGUES, 2014).
O professor de Língua Portuguesa postulante a uma vaga no Profletras precisa estar atendo a questões desse tipo - que sempre aparecem nas provas. Além disso, é necessário também deixar para trás análises que se ancoram em listas, “dicas” e regras provenientes de uma tradição gramatical normativa e aumentar seu repertório teórico e sua capacidade de análise gramatical crítica. Isso é fundamental tanto para dar prosseguimento à sua formação profissional (nesse caso, com o acesso ao Mestrado Profissional em Letras), quando para ressignificar sua prática pedagógica.